Uma noite absurda
por Bruno CarmeloAo apresentar o filme no festival de Gramado, o jovem diretor Bruno Kott fez questão de frisar que se tratava de uma “produção horizontal”, ou seja, uma estrutura de cooperação mútua, sem hierarquias. A ideia, aplicada ao cinema, é bastante ousada, já que os filmes costumam ser regidos por uma estrutura dominada ou pelo produtor (no cinema de estúdio) ou pelo diretor (no cinema autoral). A ideia de uma criação coletiva, em um longa-metragem, seria uma subversão considerável às noções de autoria no cinema.
Como isso se traduz em imagens? Primeiro, numa produção pequena. El Mate se a quase inteiramente dentro de uma única casa/galpão, ao longo de uma noite, com meia dúzia de atores, nos quais se insere o próprio diretor. Segundo, na desconstrução da figura do protagonista e do herói. São pelo menos duas figuras centrais: o assassino de aluguel Armando (Fábio Marcoff) e o garoto religioso Fábio (Bruno Kott), nenhum dos dois particularmente íntegros em suas ações. Terceiro, as ações ocorrem apesar dos protagonistas: Armando e Fábio se envolvem em conflitos além do seu controle. Quem dita a ação, portanto, é o acaso. Assim, não existem atos espetaculares, nem clímax, nem cena que brilhe mais do que outra. O ritmo do filme é igualmente horizontal ou, no caso, linear.
Apostando na estrutura fluida e na duração limitada (70 minutos), o filme torna-se uma comédia de absurdos. Os conflitos são simples – um celular que cai na privada, um tiro acidental, a vizinha que bate à porta –, mas potencializados pela estranheza dos diálogos e pela excelente atuação de Fábio Marcoff, que já havia brilhado em O Roubo da Taça. Talvez a mesma dinâmica se asse bem no teatro, visto que a obra faz pouco uso de escolhas específicas da mise en scène cinematográfica, mas o projeto funciona dentro da proposta despretensiosa.
Isso não impede que alguns momentos de El Mate pareçam arrastados, estirando as suas piadas ao limite. A longa tirada sobre Jean Claude Van Damme ou a tentativa de comunicação com um homem russo são bem controladas pelos atores, mas enfraquecidas pela duração excessiva. O uso assumidamente amador da captação de som e direção de fotografia também pode ser questionado: embora seja pertinente à estética de filme caseiro, prejudica a compreensão de determinados instantes, como a caótica cena da festa.
Enquanto comédia, o roteiro chama a atenção por subverter estereótipos: aos poucos, o garoto evangélico se liberta de algumas amarras morais enquanto o assassino revela-se uma figura amigável. A lógica, no entanto, apela ao simples jogo de opostos (sagrado/profano, mulher/homem, adulto/jovem) que permeia a maior parte das comédias populares. Talvez a modéstia do filme seja seu mérito e sua limitação. Por um lado, o projeto executa bem o pequeno programa a que se destina. Por outro lado, talvez o escopo das ambições cinematográficas seja pequeno demais.
Filme visto no 44º Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2016.