Após remakes frustrantes, Disney joga no seguro e aposta na nostalgia para divertido live-action de Lilo & Stitch
por Diego Souza CarlosNão é novidade que o império da Disney vive momentos decisivos nos últimos anos. Entre continuações e spin-offs que envolvem divisões como Pixar, Marvel e 20th Century Studios, os remakes também têm dominado as telas como parte de uma estratégia para revitalizar grandes propriedades. Dentro desse plano, Lilo & Stitch surge como uma aposta que, surpreendentemente, dá certo - especialmente quando comparado a seus filmes-irmãos que muitas vezes carecem de alma.
Semelhante ao original, mas com liberdades criativas para uma nova abordagem, o filme conta a história da amizade entre uma jovem menina humana e um alienígena fugitivo que parece um cachorro. Stitch, o experimento 626, é um extraterrestre expressivo que é adotado como animal de estimação por Lilo, uma imaginativa e rebelde garota havaiana, e juntos eles descobrem o significado de família.
O jeito extrovertido de Lilo mais do que corresponde à energia caótica do pequeno monstro peludo e impulsivo que está sendo caçado pelos agentes da Federação Galáctica Unida. A amizade incomum entre os dois provoca uma série de confusões e problemas até com a assistente social que cuida de Lilo, observando seu bem-estar ao lado da irmã Nani, sua tutora legal desde a morte dos pais.
Com a revitalização da trama de duas décadas atrás e a direção de Dean Fleischer Camp que é eficaz, mas joga no seguro, o retorno de uma das duplas mais queridas dos cinemas é uma experiência cativante.
Vamos ser sinceros: a ideia de fazer um remake de Lilo & Stitch é extremamente arriscada. Não apenas por se tratar de um dos melhores filmes da Disney, um que conseguiu driblar os contos de fada do século ado e foi produzido em um período de uma genuína originalidade, mas também por muitas questões estéticas surpreendentes que fazem a animação ser tão difícil de se adaptar.
O projeto de 2002 foi lançado em meio a uma era de inovações na indústria cinematográfica: veio pouco depois de Shrek e A Fuga das Galinhas, dois longas que revolucionaram o mercado e também mostraram que o 2D estava perdendo espaço. Também surgiu próximo de outros longas interessantes da Casa do Mickey, como Atlantis: O Reino Perdido, A Nova Onda do Imperador, Irmão Urso, entre outros. Tratava-se de uma era que tentava se afastar do estigma de castelos e princesas.
Não por acaso, o longa que estreou menos de um ano após o 11 de setembro busca oferecer ao público acolhimento em meio ao caos. Faz isso a partir de um misto entre comédia, ficção científica e coloridas paisagens que variam entre o Hawaí e o espaço sideral. Inclusive, já percebeu como o comecinho da animação poderia ser um trecho de qualquer Star Wars? Genial!
Agora, 23 anos depois, o diretor Dean Fleischer Camp tenta apresentar a história aos seus moldes. Vindo do ótimo Marcel, a Concha de Sapatos, o cineasta teve seu filme indicado ao Oscar - o que chamou a atenção da Disney - e ficou conhecido por conduzir histórias emocionais com delicadeza e inovação. No live-action, ele consegue brincar com uma interessante mescla de homenagens, com frames idênticos ao longa original, e decisões criativas completamente novas.
Embora tenha sido um animatrônico, um boneco e até mesmo um fantoche nos sets, Stitch brilha quase na completude das possibilidades dos efeitos especiais. Longe de um Sonic Feio, ele teve seu design definido com assertividade e, sob as câmeras do realizador que teve a difícil tarefa de acompanhar uma ilusão ambulante, é tão fofo quanto amável. Seu poder de destruição, para a própria tristeza do bichinho, amolece o coração das personagens e do público - uma arma usada constantemente. É um charmoso acerto, sem sombra de dúvidas.
Embora este aspecto estético tenha grandes méritos, isso nos leva a questões que não estão inseridas na ficção. Uma vez que boa parte do orçamento se destinou ao monstrinho peludo, os demais alienígenas não tiveram tanta sorte. É difícil olhar o Agente Pleakley por muito tempo, algo que os próprios produtores nos pouparam colocando o ator Billy Magnussen em seu lugar na maior parte do tempo. Infelizmente, com essa troca, todo o arco de entrosamento entre ele e Jumba (Zach Galifianakis), e as ótimas sequências com disfarces e perucas, ficam de lado.
Lilo & Stitch de 2025 também não consegue fugir a outro ponto comum entre os remakes da Disney: a apática falta de coloração. A fotografia do longa não chega a ser rudemente cinzenta ou apagada como em muitas outras ocasiões, mas esqueça aquela paleta vibrante vista em 2002. É curioso que este aspecto simples de se corrigir tenha tido pouca atenção. A história se a em um clima tropical, que naturalmente recebe vibrações e texturas intensas, mas até mesmo as cores naturais do céu e das árvores parecem um pouco opacas.
Talvez um dos maiores méritos do live-action de Lilo & Stitch seja a atenção que o filme dá ao relacionamento das irmãs enquanto se aprofunda em Nani (Sydney Agudong). Agora, ela tem uma rede de apoio maior, além de ter mais sonhos que foram deixados para trás quando os pais morreram e ela precisou amadurecer cedo demais.
A história se repete em muitos lugares, mas não se trata de um copia e cola da animação. Ainda bem, pois outros remakes já fizeram isso e simplesmente perderam a oportunidade de contar uma boa história com outros ares (sim, A Bela e a Fera, estou falando com você).
Há uma expansão interessante nos núcleos humanos, que colaboram para todo o desenvolvimento e a tensão da narrativa, como a nova personagem de Tia Carrere, que emprestou sua voz para Nani durante tantos anos. Isso provavelmente não deve afetar os fãs, pois a história funciona. Já no núcleo extraterrestre, não. Substituir o visual dos alienígenas para deixá-los humanos é apenas uma das pontas fracas do remake, pois toda a interação entre os agentes enviados para resgatar o experimento 626 não têm muita química.
As tentativas de criar uma comédia corporal apenas soam constrangedoras, uma das heranças da animação que poderia ser alterada para outro tipo de humor. Apesar de ser um ótimo personagem e querer vê-lo novamente, a ausência de Gantu não atrapalha a trama.
Assim como na produção de Chris Sanders e Dean DeBlois, a essência do filme está na relação entre os personagens-título. Os trechos em que os dois crescem e começam conhecer são de encher os olhos. Obviamente isso deve soar mais emocionante para quem viu a primeira versão há 20 anos, mas arrisco dizer que essa dupla tem praticamente o mesmo carisma no live-action.
O fato de Dean também não abrir mão de todos os absurdos dessa história, algo que caracteriza tão bem a franquia, também torna a aventura mais divertida, lúdica e até mesmo cartunesca quando se permite.
O live-action de Lilo & Stitch abraça seus próprios defeitos em nome do delicioso caos que nasceu na animação. Absorvendo os ingredientes certos para uma nova abordagem, os tropeços existem, mas podem ser superados quando o coração da trama pulsa com uma onda de afeto. Mesmo apoiado na nostalgia e inferior ao original, é difícil sair do cinema sem dar algumas risadas e se emocionar com a criação dessa ohana tão inusitada quanto adorável.