Sebastian Stan surpreende e sofre crise de identidade em sátira tragicômica de Um Homem Diferente
por Bruno Botelho dos SantosCrise de identidade sempre foi um tema bastante aproveitado no cinema, principalmente pela capacidade de mergulhar na condição humana. De Quando Duas Mulheres Pecam e Psicose a Clube da Luta e Cidade dos Sonhos, todos são filmes que exploram as complexidades na mente de seus personagens. Um Homem Diferente (2024), de Aaron Schimberg, é um exemplo perfeito disso e coloca seu protagonista interpretado por Sebastian Stan em conflito com a própria identidade.
Em Um Homem Diferente, o aspirante a ator Edward (Sebastian Stan) tem uma doença chamada neurofibromatose, que leva à formação de tumores, e resolve ar por um procedimento médico radical para transformar de forma completa e drástica sua aparência. No entanto, seu novo e tão sonhado rosto se torna a razão de seu grande pesadelo.
O que acontece é que, por conta da sua nova fisionomia, Edward perde o papel que nasceu para interpretar e a garota pela qual esteve apaixonado. Da mesma forma que rapidamente seu desejo foi realizado, na mesma velocidade ele volta para assombrá-lo. Logo, desolado e sentindo o desespero tomar conta, o rapaz fica obcecado em recuperar o que foi perdido.
Em determinado momento de Um Homem Diferente, é dito que “medo é uma reação, coragem é uma decisão”, frase que define bastante a história do tímido e inseguro Edward.
O roteiro escrito (pelo também diretor) Aaron Schimberg mostra como as pressões e os padrões sociais moldam nossa percepção sobre nós mesmos, gerando dificuldade de aceitação. O começo do filme é muito importante para apresentar como Edward vive essa rotina de aprisionamento e ansiedades com sua própria personalidade. O ponto de ruptura em sua vida parte desse procedimento que muda sua aparência, então ele basicamente assume uma nova identidade, com o visual que conhecemos normalmente do Sebastian Stan.
O mais irônico é que, por mais que ele consiga ser bem sucedido profissionalmente com sua nova personalidade, Edward ainda não se sente confortável. Tudo piora quando surge Oswald (Adam Person), um homem que também tem neurofibromatose e a a ocupar os mesmos espaços que ele e desenvolve uma relação com Ingrid (Renate Reinsve), sua antiga paixão.
Este é o ponto central de conflito na narrativa de Um Homem Diferente, levando em conta que o personagem de Stan entra em uma crise existencial e de identidade quando encontra essa outra pessoa extrovertida, segura de si e abraçando quem ele é sem medo. Schimberg explora essas percepções com humor ácido, caminhando entre o drama e a sátira psicológica.
Sebastian Stan ficou conhecido como Bucky Barnes / Soldado Invernal no Universo Cinematográfico Marvel, mas tem se arriscado mais nos últimos anos em produções como Pam & Tommy, Fresh e O Aprendiz – que lhe rendeu uma indicação ao Oscar 2025 como Melhor Ator pelo papel do presidente Donald Trump. Inicialmente, o ator está irreconhecível em Um Homem Diferente com um trabalho pesado de maquiagem e próteses – indicado ao Oscar por Melhor Cabelo e Maquiagem. Stan entrega uma das atuações mais interessantes de sua carreira, conseguindo ar perfeitamente a crise existencial sofrida pelo protagonista Edward, em meio a toda incerteza, frustração e fúria vivida ao longo da narrativa.
Adam Pearson rouba a cena desde o primeiro momento em que aparece como Oswald no filme. Ele ficou conhecido por sua atuação na ficção científica Sob a Pele, filme de Jonathan Glazer protagonizado por Scarlett Johansson, e trabalhou anteriormente com Aaron Schimberg em Chained for Life. O ator, que tem neurofibromatose na vida real, e serve como um contraponto perfeito para a personalidade de Edward, com carisma e segurança que conquistam logo de cara e se encaixa na sátira psicológica de Schimberg.
O texto de Aaron Schimberg é afiado nas discussões sobre os dilemas morais e éticos da representação em Hollywood. É correto Sebastian Stan se encher de maquiagem para interpretar um personagem com essa doença rara? O filme está debatendo justamente essas questões, que acontecem recorrentemente na indústria cinematográfica, e premia atores por suas transformações físicas impressionantes em filmes e séries.
Tudo fica ainda mais complexo pela forma como o roteiro abraça uma metalinguagem entre arte e realidade, que lembra bastante filmes escritos por Charlie Kaufman, como Quero Ser John Malkovich e Sinédoque, Nova York. A trama criada Schimberg caminha por temáticas sensíveis, mas funciona exatamente por sua autoconsciência em relação aos assuntos retratados e sua narrativa um tanto quanto irônica – mas ser cair no cinismo.
O personagem de Sebastian Stan é escolhido por Ingrid para interpretar Edward em uma peça de teatro inspirada em sua biografia, mas é substituído por Oswald. Isso desperta a fúria do protagonista, que foi trocado em um projeto sobre sua própria vida, ao mesmo tempo que – por ter feito o procedimento cirúrgico e mudado de aparência – ninguém sabe quem ele realmente é e, neste caso, estaria fazendo uma representação problemática, roubando o espaço de alguém que realmente tem a doença.
Quem tem o direito de contar suas próprias histórias em Hollywood? Um Homem Diferente é uma produção surpreendente, principalmente pela capacidade de Aaron Schimberg em tratar sobre as problemáticas na representação da indústria cinematográfica com uso de metalinguagem e se aprofundando na mente do protagonista.
O filme apresenta uma sátira tragicômica sobre a crise de identidade e toda a complexidade envolvendo o processo de aceitação individual, desenvolvendo psicologicamente o personagem interpretado por Sebastian Stan, em uma das atuações mais desafiadoras da sua carreira.