Após o impacto deixado por Guerra Civil em 2024, Alex Garland retorna ao campo de batalha cinematográfico com Tempos de Guerra, mais uma produção da A24 que reforça a veia do estúdio em explorar temas densos com um olhar autoral. No entanto, desta vez, Garland divide os créditos de direção com Ray Mendoza, veterano de guerra e consultor técnico em diversos filmes hollywoodianos, que faz aqui sua estreia como co-diretor, imprimindo uma camada de autenticidade difícil de ignorar. Com roteiro assinado apenas por Garland, o filme marca também a despedida do cineasta da cadeira de direção — ao menos por ora —, com a promessa de que ele seguirá apenas roteirizando.
Com um orçamento superior ao de Guerra Civil, a produção reforça a nova fase da A24, que tem investido em projetos mais robustos sem abrir mão da criativa que a consagrou. E o elenco de peso reforça esse posicionamento: D'Pharaoh Woon-A-Tai, Charles Melton, Joseph Quinn, Cosmo Jarvis, Will Poulter, Kit Connor, Michael Gandolfini e até Noah Centineo compõem o pelotão de rostos conhecidos que atraem o olhar do público. Ainda assim, é interessante observar como o filme, apesar desse elenco recheado, opta por não centralizar a narrativa em uma grande figura heroica. Ao invés disso, a escolha foi construir uma estrutura fragmentada, quase documental, que acompanha diferentes núcleos de soldados durante uma missão que dá errado no Iraque — uma missão baseada na própria vivência de Mendoza como militar.
Tempos de Guerra se distancia do molde tradicional de filmes de guerra ao evitar a glorificação estilizada do combate ou a figura redentora do “herói solitário”. A câmera se fixa nos pequenos momentos de tensão, nas pausas entediantes, nos instantes de camaradagem e, sobretudo, na crueza da sobrevivência. Em apenas 1h30min, o longa mergulha o espectador em uma experiência quase claustrofóbica, com os soldados abrigados em uma casa desconhecida em território hostil, onde o desconhecimento da língua e o silêncio inquietante dos arredores fazem da incerteza o maior inimigo. A construção da tensão é milimétrica e realista, fruto não só da experiência de Mendoza no campo, mas também da atenção de Garland aos detalhes narrativos e sensoriais.
A ausência de contexto político ou explicações geopolíticas pode soar como uma lacuna para parte do público, mas ao que tudo indica, essa foi uma escolha consciente da direção. O foco está em retratar o momento, o cotidiano, a sensação — e não o “porquê” da guerra. Essa abordagem faz o filme ser mais sensorial do que analítico, mais tenso do que reflexivo. Ainda assim, essa escolha também pode ser vista como uma limitação, uma vez que evita aprofundar o debate sobre as causas e consequências daquele conflito, além de não desenvolver os antagonistas ou dar voz ao lado oposto. Por outro lado, é inegável que o longa ganha em realismo ao não recorrer a explicações expositivas ou grandes discursos.
Mesmo que não se assuma como um filme pró-exército, Tempos de Guerra escorrega em alguns momentos ao sugerir uma certa reverência simbólica às forças armadas dos Estados Unidos. Ainda que não haja uma propaganda explícita, a ausência de crítica política e o foco quase exclusivo no sofrimento dos soldados americanos abrem espaço para interpretações nesse sentido. No entanto, o filme acerta ao mostrar como a guerra é desumanizante até para aqueles que a enfrentam com preparo e equipamento — o que o torna ainda mais angustiante quando pensamos nas vidas civis afetadas, embora elas permaneçam fora de quadro.
O aspecto técnico merece um destaque especial, sobretudo pela excepcional mixagem de som. Assim como em Guerra Civil, Garland transforma o som em um personagem central. Cada disparo, explosão, sussurro ou som ambiente é sentido de forma quase física. A sala de cinema vibra com a intensidade das cenas, e é esse cuidado com o design sonoro que amplifica a tensão a cada segundo. O impacto auditivo é visceral e eleva o filme a um nível de imersão raramente visto no gênero — um feito que Garland e sua equipe dominam com maestria.
No campo das atuações, é evidente que nem todos os nomes do elenco têm o mesmo espaço de destaque. Algumas participações soam como chamarizes de marketing, mas há atuações que se destacam de maneira notável. D’Pharaoh Woon-A-Tai, vindo da série Reservation Dogs, entrega uma performance madura e intensa, equilibrando o desespero emocional com a firmeza de um soldado em combate. Will Poulter e Charles Melton, que poderiam facilmente ser reduzidos a figuras de galãs hollywoodianos, surgem aqui com atuações contidas e convincentes, assumindo seus papéis de comando com credibilidade e profundidade.
No fim das contas, Tempos de Guerra não é um filme que pretende explicar a guerra, mas sim nos colocar dentro dela. Em sua curta duração, consegue transmitir um panorama cruel, sufocante e extremamente realista de uma situação-limite. É um retrato do cotidiano de soldados que vivem entre a monotonia e o horror, entre o tédio e o medo da morte iminente. Mesmo sem aprofundar politicamente sua narrativa, o filme provoca reflexões importantes sobre a banalização dos conflitos armados e o custo humano envolvido neles. Alex Garland se despede da direção com mais um trabalho tenso, sensorial e tecnicamente primoroso, enquanto Ray Mendoza se revela uma promessa potente no gênero. Tempos de Guerra pode não ser o retrato mais completo da guerra, mas é certamente um dos mais imersivos e intensos dos últimos anos.