O enredo de A Batalha dos Vegetais (The Curse of the Were-Rabbit) é uma mistura inteligente de comédia, aventura e paródia de filmes de terror clássicos, como O Lobisomem. A trama gira em torno da dupla Wallace, um inventor excêntrico, e Gromit, seu cão silencioso e sagaz, que istram um serviço de controle de pragas em uma vila obcecada por um concurso de vegetais gigantes. A introdução de uma máquina de "lavagem cerebral" para coelhos — que acidentalmente transforma Wallace em um monstro vegetívoro — serve como catalisador para explorar temas como ética científica e consequências não intencionais do progresso. A narrativa equilibra humor físico (como as trapalhadas de Wallace) com suspense, enquanto critica sutilmente a obsessão humana por competição e perfeição. A subplot romântica entre Wallace e Lady Tottington, e a rivalidade com o vilão Victor Quartermaine, acrescentam camadas de conflito, embora o foco permaneça na dinâmica central da dupla protagonista. A trama, embora previsível em sua estrutura de "herói acidental", brilha na execução, usando tropos de horror de forma lúdica, como a cenoura dourada transformada em arma.
A dublagem é um pilar essencial do filme. Peter Sallis, como Wallace, encapsula a ingenuidade e o otimismo britânico, com uma entonação que oscila entre o cientista distraído e o romântico desastrado. Helena Bonham Carter, como Lady Tottington, traz uma doçura excêntrica, contrastando com a voz afetada e pomposa de Ralph Fiennes como Victor, cuja arrogância lembra vilões de filmes B. Gromit, mudo, é uma obra-prima de atuação física: sua expressividade através de movimentos mínimos (o arquejar de sobrancelhas, o olhar resignado) comunica mais que diálogos. A química entre os personagens é construída não apenas pelas vozes, mas pela sincronia entre animação e timing cômico, reforçando a dinâmica clássica de Wallace (o sonhador) e Gromit (o realista).
O roteiro é uma celebração do humor britânico, repleto de trocadilhos visuais e verbais (como o nome "Anti-Praga" e os jogos de palavras com vegetais). A narrativa satiriza a cultura de competição e a hipocrisia da caça às bruxas — Victor, que se autoproclama herói, é tão destrutivo quanto o "coelhomem". A escrita também homenageia o gênero de horror, com cenas que imitam a atmosfera de filmes como King Kong (a perseguição no telhado) e Drácula (a bala de prata substituída por cenouras douradas). A relação entre Wallace e Gromit mantém a essência dos curtas: Gromit, embora mudo, frequentemente salva o dia, subvertendo a hierarquia tradicional de "mestre e animal". Críticas à previsibilidade do enredo são mitigadas pela originalidade na execução, como o desfecho pacífico com o santuário de coelhos, que rejeita violência em favor da compaixão.
Como obra de claymation, a cinematografia é um triunfo técnico. A animação em stop-motion da Aardman é meticulosa, com texturas palpáveis (o pelo de Gromit, os vegetais reluzentes) e cenários ricos em detalhes, como a casa caótica de Wallace. A iluminação desempenha um papel crucial: cenas noturnas usam sombras alongadas e tons azulados para evocar suspense, enquanto a sequência do concurso emprega cores vibrantes para destacar a obsessão da vila. Planos detalhados, como a câmera acompanhando Gromit em seu avião de papel, reforçam a perspectiva do cão como protagonista tácito. A direção também parodia convenções de horror, como close-ups dramáticos da Cenoura Dourada ou ângulos hollywoodianos na perseguição aérea.
A trilha de Julian Nott mescla temas whimsical com orquestrações épicas, ecoando a dualidade do filme entre comédia e aventura. Leitmotifs recorrentes — como a melodia descontraída de Wallace e acordes sombrios para o coelhomem — orientam o tom emocional. A música amplifica o humor (ex.: staccatos durante cenas de perseguição) e a tensão (cordas graves na descoberta da transformação de Wallace). A escolha de usar uma valsa durante o baile da vila ironiza a frivolidade dos habitantes, enquanto a ausência de música em momentos-chave (como os olhares de Gromit) permite que a animação brilhe.
O clímax no telhado da Mansão Tottington sintetiza os temas do filme: Victor, armado com a Cenoura Dourada, é derrotado por sua própria ganância, enquanto Wallace é salvo pelo queijo — um deus ex machina que reverencia suas idiossincrasias. A resolução, com o santuário de coelhos e a vitória de um vegetal modesto, sublinha uma mensagem anticonsumista e pró-harmonia ambiental. Gromit emerge como herói não convencional, reforçando sua lealdade e engenhosidade. O final, embora feliz, evita simplismo: Wallace continua sendo um inventor falível, e a vila aprende a coexistir com a natureza. A cena pós-créditos, com coelhos "reabilitados", acrescenta um toque de humor e esperança.
The Curse of the Were-Rabbit é uma obra-prima da animação que transcende gerações. Como primeiro longa de Wallace & Gromit, expande o universo dos curtas sem perder sua essência: humor absurdo, crítica social leve e coração. A técnica impecável da Aardman (vencedora do Oscar) eleva a claymation a um patamar artístico, enquanto o roteiro equilibra paródia e originalidade. Embora alguns possam criticar a dependência de estereótipos britânicos (como a aristocracia excêntrica), esses elementos são parte do charme nostálgico. O filme triunfa ao falar sobre ética, comunidade e amizade sem ser didático, usando o absurdo como espelho da humanidade. Sua vitória no Oscar e aclamação crítica solidificam seu legado não apenas como um marco da animação, mas como uma sátira atemporal que desafia a forma como encaramos progresso e natureza.
The Curse of the Were-Rabbit é mais que um filme infantil: é uma celebração de criatividade, técnica e humor que ressoa com qualquer um que já riu de um trocadilho ou se comoveu com a lealdade de um cão silencioso. Uma joia do cinema que prova que, mesmo na era digital, a magia do stop-motion e da narrativa bem-craftada permanecem insuperáveis.